quarta-feira, 9 de abril de 2014

~~~~~~ Véspera da Água ~~~~~~~

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Tudo lhe doía
de tanto que lhe queria:
a terra,
e o seu mundo de tristeza,
um rumor  adolescente,
não de vésperas,
mas de tílias,
a respiração do trigo,
o fogo reunido na cintura,
tudo lhe doía:
a frágil e doce e mansa
masculina água dos olhos,
o carmim entornado no espelho,
os lábios,
instrumentos de alegria,
de tanto que lhe queria;
os dulcíssimos melancólicos,
magníficos animais amedrontados,
um verão difícil,
em altos leitos de areia,
a haste delicada de um suspiro,
o comércio dos dedos em ruína,
a harpa inacabada
da ternura,
um pulso claramente pensativo,
lhe doía:
na véspera de ser homem,
na véspera de ser água,
o tempo perdido,
rouxinol estrangulado
meu amor: amora branca
o rio
inclinado
para as aves,
a nudez partilhada, os jogos matinais,
ou se preferem: nupciais,
o silêncio torrencial,
a reverência dos mastros
uma criança corre
corre na colina
atrás do vento,
de tanto que lhe queria,
tudo tudo  lhe doía.

~~~~~~  Eugénio  de  Andrade ~~~~~~

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